Morreu Uma Pessoa Linda

Por um lado, fica tudo mais triste,
Insustentavelmente leve,
Por outro,
O céu nocturno torna-se mais belo de uma forma misteriosa.
Não acredito em misticismos,
Mas a parte mais alegre de mim é aquela que duvida,
A parte que diz "Talvez eu esteja enganado, sim, talvez".
Talvez brilhes tu ainda,
Pessoa linda!

Meu Amor

Podia dizer-te uns versos que eu acho lindíssimos,
Mas depois
Esses versos
Iam ser grilhões que me iam pesar.

Reclamação

Quem é responsável pelos desejos das pestanas?
Exijo falar com quem está no comando,
Porque pedi o mesmo desejo inúmeras vezes,
Obedecendo a todas as conformidades,
Nomeadamente, acertando sempre de que lado ficava a pestana,
Ou seja, no dedo indicador ou no polegar,
E o desejo ainda não foi cumprido.
É, de resto, uma situação que já tem ocorrido várias vezes,
Como lhe digo,
Não só com este desejo mas também com outros.
Eu diria mesmo que,
Sistematicamente e cada vez mais,
Os desejos não são cumpridos.
Quem é o responsável?
Diga-me desde já se é uma fada.
Exijo justiça e vou até as mais altas instâncias, até onde for preciso.
Estão a brincar com as pessoas?
Já não tenho pestanas.

Darling

Oh miúda,
Isto é simples:
De manhã,
Piras-te.

Se Deus Existe

Palavra de honra,
Deus não é exemplo para ninguém.
Porque ele teve sempre tudo o que quis
— Recebeu-o por herança —
E não sabe o que é o sofrimento,
O cansaço, a sede, o frio,
Nunca teve de trabalhar para ajudar a família ou quem quer que fosse,
É um egoísta de primeira, ansioso por ser o centro das atenções,
E ainda nos vem com lições de moral.
Digam-me uma única coisa que eu possa admirar em Deus.
A sério, por favor mandem-me um email se se lembrarem de algo.
Em que se compara esse mimalho aos grandes homens e mulheres que viveram na Terra?
Espero que não, mas se Deus existe,
Palavra de honra,
Quando eu morrer, não serei vassalo dum eterno monarca,
Serei uma nova espécie de diabo,
Serei uma pessoa no mundo dos fantasmas,
Levarei comigo a alegria e solenidade humanas,
E enquanto persistir a minha alma,
Combaterei Deus como o meu único inimigo.

Deliberação

Tendo em conta,
Isto é,
Atendendo a que,
Uma vez analisados todos os parâmetros
Que uma situação desta índole acarreta,
Não nos parece possível
— E não será, de facto —
Proceder de acordo com o solicitado,
Neste caso,
Respeitando o regulamento em vigor,
Por todos
— Explícita ou implicitamente —
Aprovado,
Lamentamos,
Mas não haverá mudança.

Poema de Bacalhaus

A verdade-verdadinha,
Sem figas (atrás das costas),
Sem atchins,
Semente da mente,
Bamboleia,
Não tropeça.
Vasculha tu,
Oh neve feita de cristal,
Que cobres os campos, os rios
E os corações,
Por um propósito, antes que derretas.
(Os bacalhaus são phelgo + perlimpim.)

Pittosporum

Querida árvore,
É tão bom abraçar-te
E trepar pelos teus ramos.
Encontro-te sempre aqui,
Sempre igual,
Tão serena.
Enches-me de paz, ao balançares gentilmente.
Os teus galhos entrelaçaram-se em forma de cadeira nas alturas
E é deste belo trono de madeira
Que eu melhor contemplo os meus pensamentos esquecidos.
Passei aqui muitas tardes de Sol,
Deliciado em imaginações,
E alguns serões frios e chuvosos,
Quando fugia da imbecilidade dos Homens.
A ti devo a calma em momentos tumultuosos.
Em ti,
Que nunca me tentaste convencer de coisa alguma,
Reconheço a maior sabedoria.
Querida árvore, abraço-te outra vez,
Um abraço cheio de ternura.
Mas agora estou inquieto.
A cidade avança por todos os lados
E eu receio por este lugarejo verde,
Hoje tão minúsculo.
Cada folha e cada forma tua são para mim preciosas,
Quero proteger-te com o meu corpo e com a minha alma.
É tão bom respirar o teu alento...
Vou escrever este sentimento num poema
E vou guardá-lo na Internet,
Para que se saiba, nos confins do Tempo,
Quando novas formas metálicas de Vida habitarem a Terra,
Que houve, um dia, Amor entre um menino
E a sua mãe-árvore.

Herpes

Os teus beijos
Transmitiram-me imenso.

Poesia

A partir de agora hei-de ser um poeta, percebes?
Vou mandar uns versos que os vai calar a todos.
Vão-se vomitar todos e ficar constrangidos com a beleza dos meus escritos.
E mais, hei-de ter orgulho no meu ofício,
Oh pá,
Eu cá digo frases bonitas.

Aos Vazios

Que fique assente:
Estou completamente bêbado.
Por favor, não me tomem hoje a sério,
Nem me citem.
Vou apenas contar a verdade.
Vocês são todos uns péssimos actores.
Está dito.
Os vossos corpos
Contrariam
As vossas palavras.
Se eu fosse um pato,
Grasnava com mais sinceridade.

Bom dia

Está quase a amanhecer...
Espero que o Sol seja gentil ao acordar-te.
Eu estou a caminho,
Vou tentar chegar à hora marcada.
Levo-te os meus poemas de abraços.
Até logo.

Carta

Irmãos,
Está aqui muita confusão e os meus movimentos são contorcidos.
Mas não pensem que vos esqueci.
Espero encontrar-vos um dia e festejar.
Por esse momento, eu aguento estes transtornos.
Por favor, não deixem de respirar.
Vamos encher a atmosfera com os nossos alentos,
Façamos nosso o vento.
Assim, sempre que virmos uma árvore dançante
Lembrar-nos-emos uns dos outros,
Mesmo no tumulto da cidade,
E continuaremos.
Eu vou estar a plantar sementes,
Nas horas vagas,
Que serão para mim memorandos.

Ânsia, Ânsia

A minha Natureza
Quer correr daqui para fora
Ou caminhar.
Vou ficar mais um pouco, sei lá porquê,
Mas não te posso encher os olhos e os ouvidos de promessas.
Este meu casulo está já muito gasto.

Expressão Corporal

Hoje apetecia-me dizer-te a verdade,
Se bem me entendes,
Estar calado.

Para a Sra. Domadora de Abelhas

Estive a pensar,
Podíamos ir tocar flauta aos outros planetas,
Os nossos soberbos duetos
Em ré menor,
Aos simpáticos seres que lá habitam.
Levamos um farnel vegetariano
E vamos de bicicleta espacial.
Percebes o que quero dizer,
Tipo, um foguetão a pedal.
Concordas, sim,
Perlimpim?

Dinheiro Sujo

Caro inimigo,
Eu gostava de poder estar sempre descalço
E apanhar fruta selvagem.
Sabes,
Quando inspiro,
Os meus pulmões enchem-se de ar
E o meu cérebro, de magia.
Eu vou continuar a respirar.
E tu,
Caro inimigo,
Monte de papel?

Deus Morreu

Hei, mano,
Que cena.
Olha, dá cá um cigarrinho.

Shh

Oh, é tão cheio de música
O teu respirar.
Vou ficar aqui a ouvir-te, está bem?

Ditirambos de Madrugada

Estou transformado
Numa espécie de marioneta.
Sou empurrado e contorcido por mil pequenas mãos,
Do tamanho de moléculas de ar,
E ponho-me muito pensativo,
Por exemplo, com o panorama geopolítico actual.
É como se estivesse a nascer agora,
Estou a ver estas coisas pela primeira vez.
Tenho o coração tão leve,
É tão simples
O estar-aqui.
Os meus braços e as minhas pernas
São esguios e cheios de força.
(Amanhã, quando acordar, vou fazer muitas coisas.)

Caiu a Lua

Já ouviste a notícia?
Espalhou-se bem depressa.
Caiu a Lua
Além, no monte.
Vens lá comigo ver?
Sim, já toda a gente foi,
Por isso estão desertas as ruas.
Vim procurar-te,
Podíamos ir juntos,
E depois,
Sei lá,
Tomar um copo.

Sr. Unicórnio

Não me agrada a tua pretensão,
Esse teu chifre está muito empinado.
Deves pensar que tens poderes mágicos,
Oh branquinho.

Sono

O meu cérebro está envenenado.
Minúsculas partículas deslizam pela traqueia
Até aos pequenos alvéolos.
Pergunto-me de que cor serão.
Parecem pretas, mas não devem ser.
Devem ser coloridas
E devem fazer sons tilintantes a conversarem,
Percebes, umas com as outras.
Ah, só que como são muito pequeninas,
Mal se ouvem.

Beterraba

Olha, o teu vomitado é cor-de-rosa.
Não gostaste da minha sopa.